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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A Índia Poti e o Defunto Português

  Marieta. Tenho certeza que ela tinha um sobrenome, mas ela havia ganhado o carinhoso e um tanto preconceituoso apelido de "Índia Poti" em bela homenagem aos seus antepassados; ameríndios legítimos. Desde que recebera tão incontestável alcunha, mais ninguém conhecia seu sobrenome. Era simplesmente Marieta Poti.
  Era poetiza. Com nove livros publicados, já fazia seu doutorado. sua tese de mestrado tinha sido escrita à mão e digitada posteriormente por um funcionário contratado com o lucro dos próprios livro - que, a propósito, também foram escritos à mão.
  Não se incomodava nem um pouco em ter escrito tudo à mão, afinal, foi escolha dela. Também não se incomodava em caminhar longínquas distâncias e ainda conservava velhos hábitos singulares; comia as mesmas sementes que aprendera a catar logo quando criança, - apesar de que o mundo mudou muito desde que era criança e não era mais possível simplesmente catar as sementes, portanto comprava-as - sorria muito pouco ou quase nada e insistia em refutar quase completamente a tecnologia, mesmo quando se utilizou dela para voar até Portugal, onde esta história se passa. 
  A mente de Poti voava longe, mesmo que sua cara fechada e seu corpinho atarracado dissessem exatamente o contrário. Lembrou-se, com um pouco de saudade, de sua queria e falecida mãe, uma velhinha caquética e simpática que morrera há pouco tempo. Porém ela sabia que toda vida tinha uma hora de acabar, só tínhamos que nos acostumar com o fato. Depois de algumas lágrimas e poemas, conseguiu finalmente superar. Lembrou-se do simples e incomum velório de sua mãe; flores formavam um belo e ao mesmo tempo asqueroso mar no caixão. Isso era tradicional. O diferencial estava na celebração resgatando as origens indígenas e a grande alegria de todos, sabendo que a velha tinha passado para uma melhor.
  Fato é que quando sua turma da excursão fez o primeiro percurso, passaram por uma igreja em que coincidentemente acontecia um velório... Um velório português.
  Como escritora, Poti tinha que acumular experiências. Como sempre encarara a morte como uma parte normal e previsível da vida, ela achou que seria absolutamente normal se ela se aprximasse e observasse o defunto português de perto, e foi o que fez.
  A família não teve qualquer reação quando ela se aproximou, pois estavam sofrendo demais para isso. Era alguém muito querido em vida... Então ela não viu problema em se aproximar um pouco mais e aspirar o cheiro das curiosas flores azuis e roxas estrangeiras ou se abaixar para analisar a estrutura da mesa sobre a qual o caixão estava. Depois fez as devidas anotações na folha amassada que carregava no bolso.
  Foi quando um dos parentes percebeu o que ela estava fazendo e gritou para que parasse com aquilo. Sobressaltada, Poti se levantou bruscamente, batendo a cabeça na mesa e derrubando com ela o caixão e o defunto.
  Foi em cana.
  Mas sem problema...
  Tudo daria
  Um ótimo poema.