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domingo, 20 de janeiro de 2013

A Revolução das Traças

   A Traças S/A estava de pernas pro ar.
  A pobre Secretária viu tudo começar. De uma hora para a outra, todos os operários começaram a gritar e a bagunçar o andamento das produções.
  A companhia já era antiga e o Novo Chefe era experiente. Tinha ganhado a empresa de herança do Chefe Antigo, mas não a administrava do mesmo jeito.
  A Traças S/A, nas mãos do Chefe Antigo nunca tinha ido para frente, mas era um bom lugar para se trabalhar. Já o Novo Chefe administrava a empresa com mãos de ferro; em um ano administrando, a empresa já tinha se tornado exemplo em exportação de Folhas em toda a Biblioteca e faturava milhões.
  Milhões esses que os operários não viam nem de longe. Trabalhavam 20 horas por dia, num árduo e duro trabalho, para receber apenas 5% do que produziam. Nunca ninguém vira o chefe exceto a Secretária, pois ele achava que ninguém era suficientemente bom.
  -Novo Chefe! Eles estão fazendo uma revolução! - gritou a Secretária depois de refletir tudo isso, entrando afobadamente na sala do Novo Chefe. Pegou-o desprevenido, roendo a Última Folha. Ela, indignada, saiu. A Última Folha do Livro seria para quem fosse o melhor funcionário do mês. Ela sempre ganhava a Última Folha do Livro.
  Saiu, batendo os pés indignada. Não era à toa que aqueles operários todos estavam fazendo tamanha rebelião. O Novo Chefe era horrível.
  Porém, por outro lado, ninguém era inteligente o suficiente para conseguir comandar uma revolução tão grande. Ela própria, a Secretária, tinha ajudado o Novo Chefe nos testes de Q.I. e só tinha permanecido como operário quem tinha Q.I. abaixo de 60, os mais burros. Justamente para evitar uma situação como essa.
  Não tinha andado grande distância, quando o Novo Chefe saiu esbaforido da sua sala. Seu olhar parou nos operários revoltados como se nunca os tivesse visto antes. Quando seu olhar pousou na Secretária, a primeira coisa que disse foi:
  -Ligue para a Tropa de Elite das Forças das Traças. - o nome era bonito, mas todos da TEFT eram traças grandes e horrivelmente pretas, facilmente subornadas.
  Tudo estava uma grande confusão. Todos os operários gritavam e gritavam. Daquele jeito até os Humanos iriam ouvir. E se os Humanos ouvissem... as coisas ficariam feias.
  A vida de uma traça já era complicada de natureza. Tinham que se esconder dentro dos livros por toda a vida, e se os humanos encontrassem alguma... bem, ela não teria que se esconder mais.
  Ligou para o TEFT rapidamente e a Tropa já estava a caminho.
  A situação estava fora de controle. Ela e o Novo Chefe, de quem tinha um nojo incontrolável neste momento, se esconderam dentro do quartinho, para conseguirem sobreviver.
  O comércio de Folhas era algo novo, inventado há pouco tempo, mas era algo que toda a Sociedade das Traças necessitava, já que agora era proibido retirar folhas como forma de subsistência. Mas não era um produto renovável e a ganância do Novo Chefe era grande demais. Logo logo eles passariam por graves crises.
  O TEFT chegou, tentando a todo custo controlar a Revolução. Foi então que viram o líder.
 Era uma traça estrangeira, trazida de outra Biblioteca em algum livro. Ela subiu num palanque improvisado e gritou:
  -Não desanimem, Operários! Esse pessoal do TEFT não é capaz de nos deter! Se soubessem o nosso motivo, todos eles passariam para o nosso lado, com toda a certeza!
  Ao ouvir aquilo, todos os soldados do TEFT que ali estavam pararam. A Secretária gelou. Sem eles, só ela e o maldito Novo Chefe estavam mortos. O líder continuou a falar:
  -Nós só queremos acabar com o comércio de Folhas! Isso não deveria existir! Se tudo voltasse a ser como antes, todos poderiam viver em paz, cada família no seu Livro!
  O Novo Chefe estava babando de raiva ao lado da Secretária. Mordeu um grande pedaço da Folha ao seu lado e, mastigando rapidamente, preparou aquilo pelo qual era realmente temido; o Tiro de Pó. O líder continuou a falar:
  -Queremos paz, queremos um lar! - visivelmente, os oficiais do TEFT estavam já do lado dos Operários. O líder puxou um coro - Abaixo ao comércio! Abaixo ao comércio! Abaixo ao comércio!
  Todos logo estavam gritando. Daquele jeito, os humanos ouviriam, com toda a certeza.
  -ABAIXO AO COMÉRCIO! ABAIXO AO COMÉRCIO! ABAIXO AO COMÉRCIO!
  E, de repente, tudo havia parado. O líder já tinha sido atingido pelo Tiro de Pó do Novo Chefe e jazia morto.
  Virou tudo um pandemônio quando os oficiais do TEFT começaram a atirar Tiros de Pó para todo lado, mais fracos que os do Novo Chefe, mas matavam mesmo assim.
  E o pior aconteceu.
  Um humano ouviu tudo e abriu o livro.
  Ele começou a sacudir tudo e todos caíram, muitos morrendo já durante a queda. No chão estavam desprotegidos e foi, literalmente, um salve-se quem puder.
  E assim acabou a Revolução das Traças. Quem sobreviveu para contar a história, fez da Biblioteca um lugar pacífico, onde todas as famílias tinham um Livro inteiro só para elas, uma Biblioteca sem o comércio de Folhas. 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Mão Única

Quem inventou o amor?
Quem inventou a dúvida?
Não quero mais. Placebo, não quero mais.
Cápsulas, não quero mais.
Remédio, não quero.
Som oco que bateu bem aqui.
Pois está vazio. Simplesmente vazio. 
Tanta pontuação, tanta grafia.
Tanta preocupação com os outros, meu Deus!

Se o palco é livre, se posso, então...! Mas...
Não, não posso. O palco não é assim tão livre se há a plateia logo ali.
E tomo cuidado para não resvalar na ponte bamba
pra não respingar a gasolina no mundo.
Que o vento vai levar, isso é certeza.
Glândulas calmas, revoltas como o mar
que bate e leva.
Não é calmo nem revolto. 
Essa porcaria! Que chupem-se!
Lágrima contida bamboleia no limite entre a íris e o mundo
mostrando mágoas desmedidas.
Mágoas que eu mesmo me proporcionei
no dia em que não mais aceitei ficar à margem.