Páginas

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Porque o mundo parou

  Todos estavam para lá de bêbados quando decidiram se levantar.
  Assim que o primeiro deles fez isso, se arrependeu. A tontura tomou conta dele como o amor tomou conta de Romeu ao ver sua amada pela primeira vez, tomou conta dele como a disenteria toma conta de alguém com o estômago fraco que come salgadinhos demais na festinha de um ano de seu sobrinho. O infeliz aventureiro, que tentara de todas as formas permanecer em pé, gritou, inconsequentemente:
  –Eita! Alguém pare o mundo!
  Um dos seus amigos riu, outro tentou se levantar para esmurrá-lo à toa, outro fez um gesto obsceno que ele fazia quando viam qualquer fêmea de mamífero bonita, mas outro realmente tentou parar a rotação da Terra; cravou seus dedos no chão da praça em que estavam e começou a fazer força para o lado que imaginava ser o lado contrário à rotação. Gemeu, fez força e nada. O que estava em pé já caíra novamente e tentou ajudá-lo, se juntando a ele para puxar a Terra.
  Um dos amigos – o do gesto obsceno – disse, consultando seu celular:
  –Seus idiotas! O que faz vocês acreditarem que a Terra está girando para esse lado? Tenho um aplicativo de bússola no celular, puxem exatamente para o lado oposto; pro Leste!
  –Claro que não babaca! A Terra gira da esquerda pra direita, ou seja, de Oeste pra Leste! Temos que puxá-la pro Oeste para fazer ela parar!
  –Ah, então é pro lado de lá! – disse e apontou. Nesse momento, o que tinha pedido para pararem a Terra já tinha se cansado e disse:
  –Já estou melhor, caras, não precisa mais parar o mundo...
  –Cale a boca.
  –Tá...
  –Mas venha nos ajudar!
  Os três juntos puxaram a terra pro Oeste. Puxaram e gemeram, bufaram e sujaram os dedos. Os outros dois se juntaram.
  Os cinco juntos puxaram a terra pro Oeste. Depois desistiram e começaram a gargalhar.
  Rolaram de rir até que, inesperadamente voaram. Foram jogados para o Leste a uma velocidade de mais de 1500km/h e não viram a hora que morreram.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cacos

Fabulosa vidraça que quebrou,
Quando houver boas ideias, que me envie!
Que mande em mim mesmo!

Angústia de cacos. 
Vidrinhos nos olhos da criatura da bocarra.
Gosma. 
Gigante.
Pressurizada.
Úmida.
Seca.
Cacos de ideias se espalham pelo chão.

Não há mais maneira de catar.
Já estão do tamanho de hemácias.
Do meu sangue, que escorreu
Que esguichou
Que jorrou.

Angústia nova. 
São ambas angústias diurnas, sãs. 
Angústias que só existem devido à pressão, à robotização humana, jamais contida.

Onde jamais,
Jamais.

Haverá descanso.