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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O Assobiador


  Chamava-se João. João alguma-coisa, não lembro bem o que. Não importa também.
  Desde os 6 anos, que foi quando João aprendeu a assobiar, ele assobiava o tempo todo. Era a coisa que João mais gostava de fazer no mundo. Assobiava, quando criança, brincando com seus carrinhos e com seus inventos, sempre derivados do que seria descartado na cozinha. Até brincando de esconde-esconde ele assobiava e isso fazia sempre com que ele fosse encontrado. Ele não se importava, era algo que não podia
evitar. Era só ficar um tempinho parado em silêncio que vinha a vontade irresistível de fazer um som. Assobiava, na adolescência, no caminho de ida e volta da escola, no cinema, daquela primeira vez que beijou, na hora das provas, o que sempre causava qualquer problema.
   Depois de um tempo, ao perceber que em alguns momentos, assobiar lhe causava problemas, João foi inventando outros tipos de assobio. Havia o assobio grave, o assobio de chamar alguém, o assobio agudíssimo, o assobio despistado, que ele não precisava fazer o movimento de boca convencional, e até mesmo o assobio silencioso, no qual ele imaginava-se assobiando sem assobiar de fato, que era em momentos de prova, em que não poderia haver barulho. João inventou até um jeito de falar assobiando ao mesmo tempo, e fazia verdadeiros concertos pra si mesmo. Esses ele não tinha coragem de mostrar a ninguém.
   João assobiou tanto que, com o passar dos anos, o assobio foi ganhando um verdadeiro significado na sua vida. Era uma parte dele. Um pedaço que seria impossível retirar sem dor. Por isso os vários tipos de assobios, pra se adequar às várias situações. Havia também, por trás deles, toda uma filosofia. Era o que ele fazia para ajudar a melhorar o mundo. Se ele assobiava trazia música para as pessoas ao redor, tornava o dia das pessoas mais colorido e mais claro. Assobio lhe lembrava liberdade, alegria, leveza e graça. Era sua poesia sem palavras. Era o que lhe fazia feliz, mesmo quando a melodia era triste.
   Durante toda a sua vida, João assobiou por todo o lugar que passava. Se não se lembrava de alguma música, inventava. Assobiava músicas tristes e músicas felizes, dependia do seu humor. Era fato que nunca parava de assobiar.
   Um dia, estava João feliz voltando para casa, assobiando uma canção de violino que ouvira ontem. O dia estava claro! Cláudia, a vizinha, sorriu para ele: "Continue sempre a assobiar, canarinho." Seu Jove, da sanfona o convidou para um pequeno dueto sanfona-assobio. As pessoas pararam para ver. Casais se abraçavam, olhos de criança brilhavam. Quando acabou de assobia, João continuou o caminho. Dona Gantina, na praça com seus pombos, cumprimentou-o de longe, satisfeita por ouvir mais uma vez aquelas notas que saíam da "boca abençoada", como ela chamava.
   Mais à frente havia um inesperado objeto na calçada. Um boneco, o mesmo que ele tivera na infância, o que era a sua primeira lembrança. Ele se abaixou pra pegar e algo escuro o envolveu.
   A partir desse dia, João passou todos os outros numa grande e pouco confortável gaiola, assobiando cada dia menos melodias alegres, depois nem mesmo as tristes, até parar de vez de assobiar.

(...)