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sábado, 13 de julho de 2013

Túmulo Subaquático


De cara com a morte, rio e penso na ironia de tudo aquilo; o tal Narciso, quem me emprestou o nome, também morreu. Ficou de cara com a morte, no caso do conto mitológico, a cara da morte sento a própria cara refletida na lagoa. Morreu também por gostar demais de si mesmo. Como eu.
Parecia improvável que eu seguisse a trilha do nome que me apelidaram. Ele deve ter pensado nisso quando me disse o meu nome. Com certeza. Seu Noé sabia de tudo. Pensei que ele tivesse me apelidado disso para tornar o meu problema óbvio para mim mesmo e eu mesmo tentar consertá-lo, não para lançar-me essa maldição.
Mas agora já estou aqui. A morte, transfigurada nessa onda gigante já está aqui. O que fazer? Rio-me novamente, um riso frouxo, descontrolado, louco, histérico.
E o que ficava da minha existência? Nada.
Das três coisas que, segundo a cultura popular todo homem deve fazer, não fiz nada. Não tive filhos, não escrevi um livro, e o que escrevi ninguém jamais lerá, visto que meus únicos escritos estão no velho notebook, que, se já não pifou, logo será engolido pelo mar.
Rememoro os momentos que vivi. Os amigos e, posteriormente, paixões que tive. Todos pareciam tão eternos...
Retiro o último cigarro do bolso e mesmo sob essa tempestade, tento acendê-lo, quase inconscientemente. Depois tenho a mesma crise de gargalhadas histéricas.
Minha mente divaga e eu penso que devo estar parecendo um velho pirata, exceto, talvez, pela parte que o rum na mão do pirata é cachaça na minha e o barco pirata é barquinho a vela vagabundo alugado no porto tosco com um velho que realmente parecia um pirata.
Delírio ou verdade, vejo uma luz. Um holofote apontado diretamente para minha cara. Que ótimo – penso, sarcasticamente – a salvação.
Fato é que eu não quero ser salvo. Não vivi nada que valesse a pena ser lembrado. Felizmente, a onda já está grande o suficiente para ser perigosa a aproximação do helicóptero.
-Que se quebre sobre mim, que acabe logo com minha infame existência, ó onda. – digo.
Ergo um brinde, um último ato descompensado.
-VENHA! – grito. A onda dá a impressão de estar parada, escrotizando ainda mais a minha existência, logo no final dela – NÃO ME OUVIU? VENHA DE UMA VEZ! – berro.
E ela vem. Com força. Ávida. Cruel.
Descendo pro meu túmulo molhado e solitário, não abro mão de pensar: “Acho que viver valeu. De alguma forma, acho que valeu a pena”.
E fecho meus olhos para nunca mais.

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