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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Rotina da Alienação

De segunda a segunda vem se perguntando
o motivo da vida, o sentido da lida.
De segunda a sexta vem se esforçando
muito trabalha, muito estuda, rala e luta.
Manhã vira tarde vira noite vira manhã
e o ritmo dorme acorda come sufoca.

De hora em hora as horas estão voando
corres e contas pra pagar e redes sociais
Minuto a minuto o tempo é insuportável
E tenta, foca... Tanto precisa daquela calça!
Segundo a segundo a calça não chega
Se questiona (um pouco) os motivos da calça.
De sexta a domingo é visto sorrindo
sai e bebe e conversa sobre nada.
É todo dentes e saliva, todo glória e vontade
e amigos! amigos! de sexta a domingo.

De domingo a segunda é pego de surpresa
E o replay se dá como muralha
Imponente prédio de horas e atos
Previsível carrossel de datas.
E, num instante, para e lembra e olha pro céu
recortado entre prédios
dos amigos dos momentos dos recortes da vida.
E cai de novo sobre si e foca novamente.
Afinal, precisa mesmo daquela calça.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

O Tatu Falante (alguns passos pro fim)


   Este querido blog se aproxima do fim.
   Ser influenciado é absolutamente normal. Somos influenciados a todo o momento na vida: por uma imagem, por um cheiro, por um roçar do gato, por um sorriso, por uma conversa, por um olhar inserido ali naquela conversa. Dissertar sobre as vantagens e desvantagens destas influências, visto como são várias e diferentes, nem acho ser necessário. Se ainda não refletiu sobre isso, está aí uma influência deste texto na sua vida.
   Há então a necessidade de se blindar? Como ser influenciado de tantas formas e em tal frequência e permanecer o mesmo?
   E, rápida e objetivamente, chego a meu ponto: NÃO se permanece o mesmo. Mesmo que você se esforce, tudo muda, e com toda razão! Ainda que seja angustiante mudar, ainda que doa um pouco o vazio de um velho hábito descartado, as coisas são volúveis. Elas podem, devem ser remexidas. Se seu dente não doesse às vezes, talvez você não se lembrasse de agradecer seus dentes sãos.
  O problema das pessoas é não enxergar que tudo que existe, existe em várias escalas: da pessoal à cósmica. Um sotaque que influencia no seu, um livro que influencia em como você age, um modo de encarar a vida que influencia em como você encara a sua. E olhar para trás e ver o quanto você evoluiu daquele instante em diante até o atual da sua vida.
  Na minha confusa escala pessoal, ler os primeiros textos deste blog é uma experiência curiosa... Ver o quanto minha escrita progrediu, ver o quanto eu mudei. E é incrível observar isso. Neste blog fui todo tipo de gente: do escritor transparente, postando textos de opinião, ao escritor distante e oculto, reduzindo suas postagens apenas a suas produções. Fui narrador personagem, fui narrador observador, fui poeta, fui confuso, fui objetivo. Fui homem, fui mulher. Falei sozinho, falei pra alguém específico, falei pra alguém invisível. E te digo uma coisa: de todas essas situações tirei proveito. A vantagem de experimentar é conhecer os lados positivos e negativos de cada um, o que torna muito mais simples optar por seguir um deles ou, se preferir, por todos. É confiar nas suas vivências ao invés de confiar nas impressões alheias da vida. Este sou eu, Gabriel Filpi, Tatu Falante, buscando viver e compreender todos os lados. E se aventurando Desenhista, Arquiteto, Fotógrafo, Musicista e, claro Escritor.
  Portanto, analisando o caminho até aqui, não cabe em mim a felicidade de ver que esse blog cumpriu com seu objetivo: Tatufalou em todos os níveis: Foi chulo, foi técnico. Ajudou-me a chegar numa sala com várias portas como a da Alice, sabendo que uma de suas escolhas pode levar-me ao País das Maravilhas ou a outro qualquer. E que magnífico saber que ajudou alguns leitores também, no meio desse processo. Que mais poderia querer?
   E não é com pesar, mas com um pouco daquela dor e angústia da mudança, que decidi, para todos efeitos dar adeus, (quem sabe um até logo) ao Tatu Falante no mês de dezembro de 2015, ainda que haja um carinho imenso da minha parte para este blog. Coisas precisam sair para coisas novas poderem entrar. E não há nisso drama. Há nisso vida.

Gratidão a todos os que um dia foram meus leitores! E a todos que vieram a mim comentar sobre algo que tinham lido! Saibam que isto importa muito para mim como pessoa, como artista. Amo vocês!

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ressurreição

foto autoral: Serro/MG

O perdão desfaz a eternidade,
o brusco ruído da vida,
teimando em ir na contramão. -

- ainda que ame a rotina que me ensinaste
as belezas de outrora ainda me enchem os olhos
e a vida torna a resistir na contramão.

Pois nada justificaria um poema morto
numa pouca caneca de "sou louco por você"
Nada.
E enquanto o poema morre, na lua minguante do céu de setembro,
o ansioso eu novo retoca e aponta
ali em meio a tantas cinzas.

Não sei se o mais estranho
é fitar tua janela e ver que você definitivamente mudou
ou fitá-la com meus olhos e que eu inelutavelmente mudei.

E o olhar, desfibrilador universal,
o seu chocando com o meu o dela o nosso
olhar
de todos de vértice de tudo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Amores de Praça II

A despeito de toda rotina, que esmaga em conveniências; além de todos os carros que correm desembestados e dos pobres cães de rua, assustadiços e desavisados, está ela. Seguindo uma rua desconhecida.
A magia daquela rua não é apenas o fato de ser desconhecida. A magia daquele momento está em ser momento. As pessoas já correm e trasladam dum ponto a outro na cidade. Contudo a manhã nasce, lenta e sem pressa. Um raio transversal de luz atravessa a fria rua; encontrou alguma brecha entre os tijolos e o concreto. A luz atravessa a moça.
Estalar de dedos. Latido de cão. Esfregar de olhos. Bocejo.
Ela anda em paz. Está satisfeita, está plena. E olha para os lados sem compreender muito bem a ansiedade e insatisfação geral.
No fim – não veem? – desta rua há uma praça. Há de ser. Uma praça. Nova ou conhecida, há de ser. Esta rua tem jeito de rua que leva a praças, tortuosa como é. Incomoda-a ruas retas! Dão possibilidade de caminhar rápido de mais e os detalhes se passavam sem que visse direito. Essa rua, com sua leve curva, com certeza esconde, no seu fim uma praça bem aconchegante. Na praça há de ter um banco e gente, fazendo algo qualquer. E a magia está naquele raio de luz.
Se a rua não tiver fim, não haverá frustração; a simples perspectiva de uma praça a satisfaz. Na verdade, o som dos seus passos basta. Algum passarinho há de ter.
As pessoas estalam os dedos latem esfregam os olhos bocejam. E correm e correm, perseguindo sonhos que não lhes caía muito bem no ombro.
Não é que ela não tinha sonhos. É que os sonhos dela eram um bocado mais simples. A perspectiva fresca e doce de uma praça era suficiente para que pousasse um pé na frente do outro e seguisse seu caminho.

(...)

domingo, 13 de setembro de 2015

Hoje sou um a mais

Hoje sou um a mais
uma lua Nova.
Tão opaca, mitigada e sozinha
Sem vrilho próprio.
Tola tola tola.

Um poeta experimental.
Inseguro.
Um maldito coração.
Carregando a suor e lágrimas
Lingotes de um Sonho.
Pois um homem é pequeno pra carregar algo de tão grandes proporções.
Hoje sou mãe pobre.
Sou a que aguarda ansiosa
A cirurgia não esterilizada
Que decidiram aplicar no seu filho.
Sou o ser humano abatido
A prostituir carona nas estradas.
O advogado prático
Que não vê sentido na poesia.
Índia forte e humana
Rendida por forças policiais.
Hoje sou um a mais.
E isso não faz de mim mais ou menos.
Faz de mim parte do todo.
Meus desafios serão do tamanho que meu sonho aguentar.
Ouvindo os melodiosos ruídos da vida ganharei o mundo.
Haverá complacência e altruísmo.
Pois hoje sou um
Ser humano a mais.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A Moça que Tentava Amar o Cotidiano


  Sei. Sei que ontem eu não estava bem disposta, querido. Perdão. É a rotina, a rotina faz dessas coizas comigo, você sabe. Além do mais, eu não aguentava mais ouvir nem sequer o som dos seus dentes arrancando uma mordida daquela maçã. Não gosto de rotina, mas acho que gosto das coizas rotineiras. Da magia de se encontrar às vezes um cacoete no rosto de alguém que me lembre um sorrizo seu. Ou de ver uma plantinha teimoza em nascer e se desenvolver na beirada de um meio-fio qualquer. Ou do cheiro que têm os perfumes baratos das moças que bezuntam o cabelo de creme pra sair de manhã cedo. Juro, por Deus, que gosto dessas coizinhas. Me passa a salada? Obrigada.
  Gosto dessas coizinhas, mas não gosto, ah, isso não, dessas nossas conversas no almoço. Agora mezmo, falando, estou sopitando de vontade de lhe dar um tapa, por estar me escutando tão atentamente. Me lembra aquele trouxa do seu irmão, roubando o remédio da estante do seu pai. Não, não, meu bem, desculpe, desculpe Não mais falarei nele. É comigo mezma que tenho vontade de digladiar, eu, com essa voz de taquara rachada. Perdão.
  Daqui pra frente, querido, prometo que tudo vai mudar. Os olhos meus hoje amanheceram tão brilhozos! Quando te contei, amor, dos olhares que testemunhei naquela praça, os sorrizos e gentilezas. As pessoas todas num ímpeto gloriozo de fazer o mundo um lugar melhor! Parecia que estava uma aura leve e perfumada ali. Os índios chegaram pra vender aquelas todas ervas que eu fui olhar depois. De lá, avistei pessoas reunidas em torno de alguma novidade, do outro lado da praça, quando fui ver eram homens pintados de prateado, trabalhando de estátuas vivas. Uma mãe deu uma moeda e um pequeno menino depositou com cuidado na caixinha prateada do homem prateado, vestido de cangaceiro. E ele fez uma festa quando a estátua fez seus movimentos esdrúxulos...! Foi bom de se ver.
  Não quero mais contar-te do meu dia. Eu já estou suficientemente cheia de mim mesma e da minha companhia. Me recordo do dia em que eu comprei um, e só um, giz de cera vermelho e dezenhei um retrato seu, rabiscadinho. Seu sorrizo naquele dia foi bonito de se guardar e olhando para o dezenho, lembro-me perfeitamente dele, ainda úmido. Se tu eras, aquele momento, homem, bicho, planta, ideia, acontecimento ou dezenho mesmo, só o tempo poderá dizer. Mas fico aqui, refazendo pensamentos densos que esquecerei daqui a alguns instantes e rememorando você.

(...)

sábado, 25 de julho de 2015

Luana Afogada no Excesso de Objetivos Alheios

para Wanessa Cellys

Por Wanessa Cellys
  Houve Inquietude! Houve Tristeza! Houve Incerteza! Cheguei ao ponto de sentar-me à frente do computador pra decidir o que fazer. Tolice! Não poderia ser decidido ali. Uma vida toda não podia ser decidida num momento...! Poderia? Que tola, que tola, que tola sou eu.
  Parece tudo meio fora de órbita na minha vida. Tudo meio bagunçado, meio sem sentido. No computador, frazes e mais frazes de motivação, sobre sonhos e metas, Sobre otimismo e relacionamentos azuis, que fazem minha vida perder um bocado do sentido que a levava para frente. E essas pessoas sorridentes... Minha cabeça é um poço de ideias e buscas diárias. Inconstância, por mais que os dizeres dezenhados (por mim) no meu quarto exijam o contrário. Inconstante sou, e isso dói. 
  Desço um pouco mais o feed. Uma página inicial repleta de novidades: ele se formou! Ela começou a namorar! Ela fez um prato saboroso e quis colocar na rede! Ela tem um gato fofo! E conquistas, e frases de determinação. E conquistas e conquistas e conquistas... alheias. Quanta felicidade! Que agonia de mim mesma!
  Mas paro para refletir. Sorrio ao concluir que todas aquelas pessoas são como eu. Que essas frazes que as vejo compartilhar são como a minha "constância" dezenhada por mim no meu quarto: não o que realmente são, mas o que almejam ser.
  Guardo uma dúvida e uma relutância em fazer as coisas que não me era comum pouco tempo atrás. Sobre futuro. Sobre futuro. Sobre futuro. E os eus do passado, ali nas fotos, ali nas frases e nas ideias, não é muito diferente do eu de hoje. Não mudei, por mais que pareça ter mudado.
  O que viver pra chegar à meta? Qual é a minha meta? Não ter um sonho bem delineado faz de mim alguém sem sonhos ou alguém com sonhos infinitos? Se posso adequar-me às circunstâncias, isso não faz de mim alguém com mais possibilidades de ser feliz?
  Ah, como admiro aqueles que se dizem certos de seus objetivos. Eu mesma não consigo enxergá-lo muito bem. Mas vou galgando aos poucos pequenas descobertas, sentindo forte os caminhos. Refletindo frente às encruzilhadas. E decidindo aos poucos, Fazendo da beleza da viagem o caminho, não o final. Uma batalha interior diária, que se estende numa batalha interior da vida toda. Isso é minha defesa; diminui as possibilidades de decepção. Ou as aumenta?
  Houve Inquietude! Houve Tristeza! Houve Incerteza! Ouve: alguém que talvez concordou contigo está te dizendo algo e parece até que te admira por algo aí que você disse um tempo atrás, Luana...! Ouve!

(...)

terça-feira, 30 de junho de 2015

Confissões à xícara espatifada


  Mas porque, diabos, o café esfria assim desse jeito? É essa xícara idiota. A gente põe o café fervendo e ela vai esfriando. O último gole vem gelado! Além dessa água que junta quando ponho algo frio. Nem eu, que sou gente, suo como essa estúpida. Xícara horrorosa, sem utilidade. Nem manter as coisas quentes consegue. Nem não suar consegue.
  Lanço-a longe. Ela se espatifa na parede, perto da janela. Podia ter atravessado a janela. E atingido alguma cabeça na rua. Uma cabeça de freira, que ia ficar com o véu todo molhado de café. Que graça!
  "E, desde quando eu comecei a me importar com isso?" penso, consternada. Que me valha Nossa Senhora, mas uma xícara de café frio nunca me irritou tanto como hoje. Perdão por ter pensado mal à freira...! Ela não tem culpa, vive só ali, como um passarinho, orando e orando e pedindo a Deus a salvação dos pecados de toda a humanidade.
  Ainda vem aquela megera da Vitória me dizer que estou meio gorda - mas meio gorda é ponto de vista, Vitória - não, não é, querida, existem estudos sobre isso. Índice de Massa Corporal, já ouviu falar? - não, nem quero, porque deveria? - só estou comentando - hum - na verdade, penso que uma dieta não faz mal a ninguém - Cale a boca, Vitória, estou bem com meu corpo - tudo bem, problema seu - meio gorda, meio magra, isso não me define - é, é, isso mesmo.
  As verdades não precisam ser jogadas na cara assim, Vitória, devem ser levemente depositadas num papel anônimo, sob a porta da gente. Daí a gente lê e não fica com raiva de ninguém, como estou de você agora.
  Sabe, acho mesmo é que estou frustrada. Por que não tenho a coordenação motora que me exigem pra tocar o saxofone? Já é a quinta vez que sou advertida. E não sei se é incompetência minha ou crueldade do professor.
  Foi o que escolhi pra vida. Tenho mesmo que continuar, me esforçar. Hoje já sou melhor que mês passado.
  Mas isso não diminui minha frustração. Por que haveria de? Odeio escutar "todos passam por dificuldades". Isso não diminui nem engrandece a minha. Me equipara aos outros, e, assim, somos todos mesmo um bando de condenados, que passamos pela vida vencendo uma dificuldade só pra ter outra. Odeio ouvir "quando acabar, será mais forte". Podia ter como apertar um botão pra voltar, só pra não ter que passar por elas.
  O café está escorrendo na parede branca. Se não limpar agora, vai ficar uma mancha horrível. Quem se importa? O apartamento é alugado mesmo.
  Pousa um pardal na janela. Odeio pardais. Tão comuns. Ele me olha com olhos sentimentais. Fome, há de ser. Pego as migalhas do meu prato e me aproximo da janela. O pardal voa, assustado. Mando-o se foder. Deixo as migalhas no parapeito e sento-me novamente.
  O café escorre. Se bem que... é onde vivo. Não quero uma mancha de café na parede da minha casa. E o pardal... era até bonitinho. Tinha um quê de unicidade. 
  Suspiro, me levanto e vou arrumar um jeito de limpar a bagunça.

(...)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Quando Desci pra Cá

Quando desci pra cá,
Vi uma fonte que bravejava som.
Vi um horizonte multicor
ah, que beleza, ah que beleza.

Quando desci pra cá não signifiquei muita coisa, mas.
Tinha jogo de cintura pouco. Pra lidar com eles.
Metas que não se bastavam. Ou se bastavam demais.
E haveria de ter metas? Teria que?
Estive confuso
Quando desci pra cá.

Culpa de quem eu não decorar minhas palavras?
Culpa de quem meu sangue corroer suas noções?
                           - pois sangro palavras.
Culpa de quem se eu surgi e incomodei?
Culpa de quem eu ter de reformular as frases?
                           - que esse mundo pede isso.

Quando desci pra cá, 
Mantive-me quieto,
Falei às vezes, quando se dirigiram a mim.
E mantive-me quieto. 
Pra não gastar o jogo de cintura, que não tenho muito.

De resto, fico aqui, 
brincando de montar versos.

Só não me julgue sem sonhos.
É que tenho muitos.
Que eu suei cada dia, atrás deles.
Quando desci pra cá.

(reticências)

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Um carro e um avião

Fotografia: Zek Andrade
  O que mais marcou foi um instante. Ele estava parado, olhando um avião que vinha passando baixo. E um carro, que passou em sua frente. E o instante em que o avião e o carro ficaram um sobre o outro, simetricamente encaixados.
  Que beleza! O carro, ser terrestre, o avião, ser aéreo. Distintos, mas ali conectados. Meios de transporte, cada um com sua capacidade, ambos seguindo, a velocidades diferentes. Mas ali...
  Um carro que continuaria seu caminho por terra, um avião que continuaria pelo ar. Pra onde iriam? Que diferença isso fazia? Se estivessem indo pro mesmo lugar, chegariam lá. Se não, estavam ali, conectados agora. Ali, tudo pareceu ter sentido. Toda a raiva e frustração do dia, da semana, do mês deixaram de existir. Por menos orgânicos que fossem, o carro e o avião se completavam ali, naquele instante. E se lembrou tanto da essência das coisas. De pássaros e flores, de ser o que se é. Um instante tão prosaico, mas tão poético.
  O carro uma flor, o avião um beija-flor. E tão poético como é um desses beijos foi aquele instante. O beija-flor tem tanta magia, tanta beleza própria! E isso não tira de forma alguma a beleza da flor, exuberante. É um instante de troca, onde o beija-flor propõe espalhar o pólen a troco de um pouco de substância. O beija-flor se satisfaz, a flor se multiplica.
  Ele não sabia o que sentir, o que comentar. não havia nada para ser comentado. Um instante tão épico como aquele não era pra ser visto por todos. Ninguém que o compreenderia. Louco... o chamariam. Que o chamassem!
  Supitou no seu coração um fogo que não era usual. As decisões que há tanto tempo o incomodavam, percebeu que já as tinha tomado há muito, que o que o angustiava era a espera do momento certo para agir. Percebeu o quanto era imediatista ao esperar esse momento chegar. E que o Tempo não segue os padrões humanos, reserva um momentinho pra cada um.
  Abrandaram-lhe os medos, as dúvidas, os pesos. E ele era passos de dança naquele momento, era liberdade. Era algo além de si. Um instante de contemplação que lhe tirou a tensão de um dia-a-dia um bocado sufocante. 
  Agora era ele mesmo. Livre de todos os preceitos, temores e moldes. Podia se estender a qualquer lado, de qualquer forma. Mas o que lhe tinha acontecido? Que estava tão cabisbaixo, encarando a vida com tanto medo? Os poréns eram dele, existiam independentemente do que acontecesse. Mas por que motivo isso lhe incomodara?
  O instante passou. Logo o alinhamento se desfez. O carro e o avião passaram a ser coisas distintas novamente. O beija-flor voou. E ele ficou ali, emudecido, tentando compreender o tamanho do acontecimento.

(...)

quinta-feira, 26 de março de 2015

Incomunicação desabada

Fabiano Alvez em O Adorável Desastre
Mas, diga-me.
Quando foi que as coisas já feitas começaram a fazer tanto barulho
que nem posso ouvir o que tenho a dizer?
Quando foi que a saudade bateu forte a ponto de me desvanecer?
Saudade de algo que nem tive...

É porque as coisas vieram fáceis?
Por eu não ter tido muito tempo de sonhar?
Tive...

Suprimo um choro, suspirando.
O mundo de repente ficou tão embaçado.

Estar aqui passa a não fazer sentido.
Olhar além também não.
O amor à vida me consome, ainda assim.

Mas que vida eu amo? Nem acredito no que tenho a dizer...
As coisas já feitas, pelos de antes
barulharam tanto que me confundiram.
O que tenho a dizer não chegou até mim.

sábado, 7 de março de 2015

Gizá

A voz dela era sacudida.
Era ambígua em sua mais notória repiquitude.
E era demônio.
Tencionava ir além da conta, e não voltar.
Como um Gizá.

E, demônio, era além.
Era todos e todos éramos ela.
Mais que isso, éramos todos diluídos
Na mesma densa solução.

Os tendões nossos se destinavam.
Ao céu!
E tensionavam.
Ao chão!
E eram VERGONHOSOS querida.
E, balbuciados, os desejos nossos
DECEPCIONAVAM

E ela vinha.
E sacudia o mundo com um universo colorido em caleidoscópio.
Estado efêmero
mudança rápida
ela vinha
vinha vinha vinha vinha
e nos levava a ter certeza de que após a passagem dela tudo voltaria a ser,
simplesmente
como era antes.

(...)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Quando fomos, já nem sabíamos quem éramos

Claude Monet
Aparentasse ou não, sentia-se consumido de estranha indignação.
Quando pôs-se a olhar, todo o fato lhe doeu.
E se consumiu de merecida indignação.
Que lhe bastasse o sorriso nos lábios de uma criança!
Mas não: ousava surgir num novo âmbito da descoberta pessoal.
Que, quando quis se difratar em vários, sendo ainda o mesmo,
foi avisado do perigo de ser tudo o que quisesse ser.
Aí se consumiu de estridente indignação.
E suas palavras se fundiram em outras tantas...!
Que quando se difratou, ele não pensou.
Mas, no sim ou no não, seria vários.
e não sabia do perigo de não voltar a ser quem era antes.

Aparentasse ou não, ele lutava com e contra indignação.
Subindo mais e mais níveis.
Que, na verdade, nem mesmo importava se
aparentasse ou não.
E subindo, foi pensando.
E, no topo, nada mais havia a desconstruir.
E era só horizonte à sua frente.
E na subida, se cansou. Suou. 
E suas lágrimas rolaram desalmadas.

Aparentasse ou não, agora era pó.
Já consumido de obsoleta indignação.
E quando revirava e revirava na leve cama do ar, 
viu que sua intenção nunca fora muito metódica.
E que sua vida tinha ficado no meio de tudo, 
difratada como luz.
E se consumiu.
Da mais sublime indignação.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Cena de Paz

  Ar. Puro. Vento fresco. Os únicos sons audíveis eram o crepitar do fogo e o rumorejar da água. E sons noturnos que silenciavam as palavras. A montanha fazendo uma exuberante margem no horizonte. Por cima de tudo a gloriosa lua.
  A postura dele não era de quem estava rancoroso, apesar da recente briga. Não era de êxtase, apesar da recente reconciliação. Como haveria de ser? Naquele lugar, não havia como sentir nada por muito tempo a não ser amor. Amor pelo mundo. Pelo céu. Pela lua. Pela terra, pelo mato. E um pelo outro também, claro. Contemplação. Ali, naquela lagoa, o ambiente era, pura e simplesmente, propício para amar. O amor plácido e calmo de quando tudo flui de verdade. E o contemplei. Parado, contemplando a imensidão à sua frente. O vento lambia-lhe suavemente os cabelos e a bermuda. Suas mãos paradas junto ao corpo não demonstravam a habitual ansiedade.
  Conexão, essa seria a palavra. Conexão com o mundo, com algo mais antigo e maior que nós, humanos. Conexão com tudo o que era óbvio e, ao mesmo tempo misterioso. Há quanto tempo não sentia isso? No trânsito caótico, na lida repetitiva, no cinza da minha cidade não havia a menor possibilidade de qualquer pausa. Era cama, despertador, escova de dentes, carro, rádio, semáforo, semáforo, semáforo, garagem, escrivaninha, papéis, papéis, papéis, carro, semáforo, chuveiro, cama  e tudo novamente. Aqui não. Tudo o que eu sentia era paz. E o convidei a sentir comigo.
  A cumplicidade que tínhamos não era apenas um com o outro. Era com tudo ao nosso redor. Lembrei-me da pedra, uma que havia achado há trinta metros do nosso acampamento. Ela se inclinava até a água e submergia levemente. Um lugar especialíssimo
  Então a maravilhosa ideia me ocorreu. Caminhei até ele e toquei em seu ombro fiz um gesto convidativo com a cabeça. Ele assentiu e sorriu. Naquele momento, não era preciso palavras para nos comunicar. Comecei a andar em direção à água e ele me seguiu. No caminho parei. Peguei uma grande folha redonda de um arbusto. Ele me olhou interrogativamente. Eu paguei sua mão e nos abaixei até o chão.
  -Olhe e veja alguma pedrinha, ou pequeno galho que goste. - disse eu.
  Para exemplificar, eu mesmo o fiz. Peguei uma pedrinha redonda. Ele sorriu e fez o mesmo. Um pedaço de galho.
  Chegando à tal pedra, eu dobrei a folha e coloquei sobre ela os objetos. Ele entendeu a ideia e me sorriu o mais belo sorriso do mundo. Juntos, nos abaixamos e pousamos delicadamente o barco improvisado na água.
  O vento encrespava a superfície da água e esta refletia euforicamente a luz do luar.
  E era aconchegante.
  A lua nos observava, ali abraçados, e senti que ela nos acolheu e nos convidou a fazer parte daquilo tudo. Nos convidou a sentir e ser com ela.
  E aceitamos.
(...)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

COMPLITUDE

Espuma de nuvem.
Canto de corredeira.
Borboleta no vento.

É a satisfação do desafio cumprido.
E a conexão com o início de tudo.
A imensidão projetada há milhões de anos.
A vida que se renova!

Nada como sentir-se pequeno
por ser parte tão ínfima
e imenso
por apenas ser parte desse todo.

É a face feminina de Deus.
Estar aqui.
Homem e homem.
Ser e ser.
Espinho e areia.

Senta e sinta!
O sol que te vive!
A lua que te beija!
A estrela que te infinita!
A montanha que te agiganta!

Ser uma alma que se permite absorver
tudo de bom que flui.
E que, rastejando como um bebê,
começa a ver a conexão das coisas.
Agora, o tempo dilui o som do rio.

(...)