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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Querida


  Sabe, amor, aquela nossa almofada? A que o cachorro rasgou. Ela está no lixo. Mas aquele momento nosso, aquela luz que pareceu aparecer enquanto nos beijávamos, logo depois que compramos a almofada, com todas aquelas pessoas ao nosso redor... Ainda está tudo guardado em mim. Sinceramente, estou cada vez mais retraído, mais triste. É difícil. É inconsciente. É culpa da gente.
  Uma vez disse que o fim não importava, que a melhor parte era o meio, o caminho. Retiro o que disse. O fim importa. O fim é um limite chato. Se for fim de fato, vai querer dizer certeza. O ponto final torna-se algoz cruel. Adaptar-se será possível, mas difícil. Tropeço, arrasto... E assim a gente tenta seguir.
  Ao sair do cinema, naquela noite, eu só queria te abraçar. Agora prefiro falar coisas sem sentido... Pra mim fazem sentido. Guardei em mim o seu sorriso, e ele ilumina-me às vezes. Espero que o fato de eu ter colocado o seu nome no hamster que comprei não tenha te ofendido.
  É que a fenda no meu coração é grande. Até a poesia cai ali... 
 E nem todas as palavras que você gostava podem fazer uma ponte agora. É preciso ser essa coisa dramática? Pensar que era ontem que sonhávamos um filho. Brincávamos. Agora a gente cresceu e as obrigações do dia-a-dia diminuem cada vez mais a chance da gente se encontrar. O acaso não é mais nosso deus. Hoje, usamos óculos absurdos e suamos para ir ao banheiro. É, sempre tive medo que a rotina nos acabasse.
  Fui feliz com você. Juro que sim. Acho que a felicidade se foi junto com você. Ademais, duvido que haja algo que não seja finito.
  Olhe para mim, querida. Não deixe-me sofrer assim. Que essa água que sai do meu olho agora não seja em vão. E pensar que todas aquelas vezes antes eu fingi sentir dor. 
  Estávamos interrompendo a luz do outro tanto assim? Vou me rasgar. Se rasgue comigo. Alimentemo-nos com muita cautela. Dizem que o corpo é importante.
  Não pouse em vão nunca, amor, não brinque com o previsto.

4 comentários:

  1. Profundo...de fato a rotina estraga muita coisa....

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  2. Engraçado como eu consigo me encontrar nos seus textos, F. Corpos diferentes, mas que sentem na carne e na alma o que é ser "humano" todos os dias.

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  3. Lindo e sofrido texto, assim como é a vida na qual todos vivemos.
    Ás vezes quando não se há mais o que fazer o sentimento é a única coisa que nos resta e é nesse sentimento que colocamos para fora, que iremos nos encontrar e encontrar respostas que tentavamos encontrar em coisas externas. Ah e achei muito bonito o novo layout!!

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