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sábado, 28 de setembro de 2013

Reportagem Motivacional

-Então vamos ver se sou aprovado: "Martinho Gusmão é um famoso engenheiro, atualmente muito bem sucedido e feliz. O retorno financeiro é tão bom que dá para ele bancar uma das mais caras escolas de São Paulo..."
-Na verdade...
-Fique quieto, apenas escute. Continuando: "...numa das mais caras escolas de São Paulo. Martinho mora atualmente numa casa com o valor estimado de R$150mil, na área nobre da cidade. Mas nem sempre foi assim. Nasceu na minúscula cidade de Funil, lá no Sul da Bahia, onde as pessoas sofrem desumanamente com a seca..."
-Ei, Funil não é tão minúsculo assim! E nem tão seco!
O outro ignorou:
-"Numa viagem que a nossa equipe fez a Funil, constatou que a própria prefeitura da cidade era estimada num valor menor que 90% das casas de São Paulo capital. Vimos pessoas fracas e subnitridas, com a qualidade de saúde, higiene e educação extremamente precárias." - Nessa hora, vamos exibir uma reportagem com a repórter Vaneuza Raíba, ela foi a Funil...
-Funil não é tão miserável assim! Vocês devem ter ido apenas da parte pobre da cidade, não é possível.
-Já disse para apenas escutar, meu senhor. Enfim: "Martinho Gusmão estudou sozinho a vida toda..."
-Minha escola se chamava Colégio Alfredo Afrânio, meu caro...
-"E conseguiu ingressar na faculdade com muito suor. A faculdade que passou, no entanto era distante e sua família era paupérrima e não podia bancar sua viagem..."
-O Colégio Alfredo Afrânio era particular! Está certo que não éramos ricos e por isso não conseguiríamos tão fácil mas...
-"...pois mal conseguia sustentar a si própria."
-Já não disse que...
-"Então, corajosamente, Martinho Gusmão saiu da minúscula cidade de Funil, deixando pra trás um calor infernal, uma infância e uma história de vida, sem medo de enfrentar o futuro. Nenhum de seus parentes ou amigos o apoiou e por isso teve que vir de carona durante todo o percurso..."
-Tudo bem, caro repórter. Só vou dizer uma vez: esse aí não sou eu.
-Meu amigo Martinho, é bom você cooperar, ou essa matéria não irá ao ar nem hoje nem nunca.
-Pois sim! Se esta matéria era sobre mim está um tanto distorcida! Ninguém dessa produção sequer me perguntou se eu tive algum apoio!
-Se insiste... Você teve algum apoio para vir para São Paulo, caro Martinho?
-Claro! Todo mundo me apoiou por lá.
-Todo mundo?
-É!
-Até seu pai?
-Sim.
-Até sua mãe? Mães geralmente querem os filhos mais perto delas...
-Não, minha mãe foi muito liberal. Me apoiou muito.
-Ninguém deixou de te apoiar?
-Não.
-Aposto que tinha algum colega na escola que não te apoiou. Forçe sua memória...! Um rival, algum invejoso.
-Tinha o Carmo Carlos, ele era ignorante e nunca...
-Aaahh... Então haiva alguém sim! Continuando: "Nenhum de seus parentes ou amigos o apoiou e por isso teve que..."
-Mas era apenas o Carmo Carlos!
-O senhor disse que ele era ignorante e que nunca. Quando uma pessoa nunca, ela representa um forte percentual na história de alguém, sabia?
-Nunca o que?
-O senhor disse que o moço nunca. Não disse? Pois é. Eu te falei. É aproximadamente 100% de participação em qualquer história quando uma pessoa nunca. Compreende? Continuando: "Pelo seu esforço, Martinho Gusmão é um dos mais reconhecidos engenheiros do país."
-Olhe, perdi a paciência. Estou longe de ser um dos mais reconhecidos engenheiros do país! Retire meu nome disse e vá procurar outra pessoa para fazer essa entrevista.
Martinho se levantou, muito enraivecidamente e, tentando não ser grosso com ninguém, voltou pra casa.
E assim que ligou a televisão a reportagem sobre ele estava acabando de passar. Uma frase dele, falada por ele, gravada, porém há mais de uma semana, encerrava a notícia: "Minha história foi difícil. É por isso que recomendo a todos que se esforçem muito na vida!"
Estranho terem que mudar toda a história dele para fazer alguém se sentir motivado na vida...
(...)

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