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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Tricotando

  -Já foi a Pasárgada, mulher?
  -Jamais, nem quero ir. Não acredito em poesia, não acredito em nada. Só acredito que são todos sonhadores. Quando se trata de futuro, ninguém sabe esperar muita coisa e, quando um sabe esperar, espera a coisa errada e quebra a cara, é terrível. Foi nesse mundo corrupto e inconveniente mesmo que minha filha nasceu e eu não consigo acreditar que isso seja bom. Não foi em Pasárgada, não foi em qualquer outra Terra. Já estava a mercê das bombas assim que respirou pela primeira vez. Não acredito que haja vida em outro planeta e isso é triste, pois a gente está destruindo o único que há. 
  -Eu já acredito que haja.
  -E isso cancela o nosso erro?
  -Talvez acabemos conosco. Isso é um presente pro resto do universo.
  -Ontem foi Marta, hoje é Camila, amanhã talvez seja Otávia. Não tem vergonha, mulher? De mudar de nome e de personalidade assim? Eu mesma não mudo, não; sou simplesmente eu. 
  -Seu discurso parece profundo, sabia? pra quem não te conhece bem. Parece um discurso profundo e crítico, talvez mesmo inteligente. Não entendeu até hoje que mudar de nome, pra mim, é vida? É necessário não ser conhecida. É necessário conhecer muitas facetas de mim mesma. Fico feliz em ser assim. Chama-me de Mulher, estarei satisfeita.
  -Eu, prefiro ser eu.
  -E tem muita dúvida de quem é, ainda assim.
  -Mas me conheço melhor que você, que muda de nome. Eu convivo comigo mesma há muito mais tempo do que você já conviveu com qualquer uma de suas facetas. É terrível a humanidade porque tem muitas perguntas. Tendo muitas perguntas, busca sempre por respostas e não se aquieta jamais. Nós, velhas, já nos cansamos de perguntar e agora respondemos a várias perguntas dos outros jovens.
  -É que perto da morte a gente fica mais sábia.
  -É metafísica a morte.
  -É.

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