Eu estava ali, um pouco receoso, um pouco
ansioso e muito curioso.
Já tinha escutado, como todos da escola,
conversas aterrorizantes sobre ele. Alguns falavam que ele tinha parte com
muitas seitas, outros diziam que ele era alguém que fazia vários rituais para
conseguir o que quer. Ninguém sabia ao certo dizer que tipo de ritual era esse.
Alguns, mais obscuros, mas que provavelmente aumentavam muito a história,
diziam que ele era satanista.
Como bom cristão que era, eu no mínimo eu
tinha receio em conversar com ele.
Fato é que ele usava roupas diferentes do
que a maioria de nós estava acostumada; camisas pretas com medonhas estampas, calças
rasgadas ao extremo e coturnos pesados nos pés. Quando não eram os coturnos,
eram tênis All-star bastante surrados. Isso compunha o visual diário do
estranho novato. Mas, apesar de suas roupas parecerem passar a mensagem: “Se
afaste, ou vou te matar agora mesmo!”, seu rosto simpático e amigável dizia
exatamente o contrário. Suas feições eram as de um adolescente normal, como
nós, que batalhava para conseguir o que quer, não eram feições de um sociopatazinho
de merda – desses que se sentem na obrigação de ignorar completamente os outros
seres humanos – ou de alguém que consegue tudo facilmente com seus rituais
satânicos. Suas feições – nariz anguloso, torto como um pequeno bico de
pássaro, olhos observadores e boca de lábios finos que viviam num sorriso meio
estranho mesmo quando ele estava sério – na verdade lembravam as de um bom
golfinho.
Eu
adorava golfinhos. Desde sempre. Na minha infância, quando eu via as reportagens
sobre a inteligente comunicação dessa espécie e desenhos em que apareciam
golfinhos, principalmente aquele chamado Free Willy – abrasileirado para
(hehehe) friuili - eu ficava extremamente empolgado.
E sempre
quis ter um golfinho amigo, apesar de que acho que estaria contente de ter um
amigo golfinho apenas. Por morar em Minas Gerais, meu contato com o próprio mar
já era extremamente reduzido, imagine só com golfinhos selvagens.
Imagine
então a minha felicidade, minha realização de um sonho de infância, ao ver uma
pessoa que realmente parecia-se com
um golfinho!
Restava
fazer com que ele virar meu amigo.
Eu sempre
tive aquela vontade de ser o simpático anfitrião que era o primeiro a falar com
os novatos e apresentava-os para o resto da turma. Isso funcionou muito bem com
todas as pessoas até agora. Mas nenhuma delas tinha esse visual cuja descrição
é exatamente a que eu usei acima: “Se afaste, ou vou te matar agora mesmo!”.
Nenhum deles tinha essas conversas relacionadas a seitas ou satanismo.
Coincidentemente, neste dia eu estava usando um colar desses de praia
que eu havia ganhado. Esse colar tinha três golfinhos entrelaçados, quase como
o símbolo de “Retornável”. Decidi que não podia deixar esta oportunidade
passar. Logo decidi também que eu tinha que abordar o roqueiro de um jeito
diferente do “Oi, meu nome é Fulaninho, e o seu?”. Fiquei olhando para ele
durante a aula, tentando bolar um jeito de como me apresentar. Ele
ocasionalmente me olhava, mas depois de algum tempo, ele deve ter começado a
achar algo realmente estranho no ar, pois quando meus olhos de ser humano e os
olhos de golfinho dele se encontraram, ele estreitou-os para mim, como quem
estivesse atirando para matar. Realmente não consegui entender. Tampouco eu
entendi como olhos tão interessantes como os de um golfinho conseguiam se
estreitar com aquela expressão. Freei a mim mesmo, lembrando-me que ele era um
ser humano como eu, só lembrava, bem de longe, um golfinho.
Lá por
uma hora, mais uma vez ao pensar no modo como faria amizade com o carinha, eu
olhei para o colar. E então me lembrei novamente que ele era um golfinho e que
ele se sentiria lisonjeado se eu lhe dissesse isso.
Respirei
fundo, fiz o relaxamento muscular que aprendi na aula de canto e fui andando em
direção a ele.
Ele ainda
não tinha me visto. Eu cutuquei o ombro e ele olhou para trás. “Oi!” eu disse.
Ele só me olhou com uma expressiva cara de golfinho que devia significar que era
para eu desembuchar. “Meu nome é Fulaninho, e o seu?” ele mais uma vez não me
respondeu. Droga! Eu sabia que não ia dar certo esse tipo de abordagem
amigável. Em um segundo fiz o que estava planejando. Exclamei: “Ei, sabia que
você se parece muito com um golfinho?” ele parou de encarar e fez-me uma cara
indagadora; que eu queria insinuar com aquilo? Eu resolvi concertar, pois
provavelmente ele havia levado para o pessoal. “Mas não se preocupe!” disse eu
“Eu adoro golfinhos! Olhe só para esse colar meu! São golfinhos...!”
Ao ser
ignorado a gente sente certo pesar. É chato ser ignorado, principalmente quando
não se sabe a razão.
Hoje eu
tenho um amigo golfinho. E descobri o motivo pelo qual eu fui ignorado; ele me
disse que naquele momento, pensou que eu estava cantando ele. Disse que não
tinha nenhum interesse por pessoas do mesmo sexo, então saiu. E eu nem havia
pensado nessa possibilidade durante todo esse tempo.
Hoje eu
tenho um amigo golfinho. E roqueiro. E ateu – apenas ateu, não satanista, como
diziam os ridículos rumores. E alguém muito legal, uma pessoa que me aconselha,
me ajuda e me pede conselhos. Um amigo. Roqueiro. Mas principalmente golfinho.
Nossa, eu simplesmente nunca havia percebido que DS se parece com um golfinho, mas olhando bem, se parece mesmo.... kkkkkk Um golfinho Ateu e gente boa de mais.... Muito bem escrito Gabriel, parabéns!!!
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