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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Golfinho do Rock


  Eu estava ali, um pouco receoso, um pouco ansioso e muito curioso. 
  Já tinha escutado, como todos da escola, conversas aterrorizantes sobre ele. Alguns falavam que ele tinha parte com muitas seitas, outros diziam que ele era alguém que fazia vários rituais para conseguir o que quer. Ninguém sabia ao certo dizer que tipo de ritual era esse. Alguns, mais obscuros, mas que provavelmente aumentavam muito a história, diziam que ele era satanista. 
  Como bom cristão que era, eu no mínimo eu tinha receio em conversar com ele.  
  Fato é que ele usava roupas diferentes do que a maioria de nós estava acostumada; camisas pretas com medonhas estampas, calças rasgadas ao extremo e coturnos pesados nos pés. Quando não eram os coturnos, eram tênis All-star bastante surrados. Isso compunha o visual diário do estranho novato. Mas, apesar de suas roupas parecerem passar a mensagem: “Se afaste, ou vou te matar agora mesmo!”, seu rosto simpático e amigável dizia exatamente o contrário. Suas feições eram as de um adolescente normal, como nós, que batalhava para conseguir o que quer, não eram feições de um sociopatazinho de merda – desses que se sentem na obrigação de ignorar completamente os outros seres humanos – ou de alguém que consegue tudo facilmente com seus rituais satânicos. Suas feições – nariz anguloso, torto como um pequeno bico de pássaro, olhos observadores e boca de lábios finos que viviam num sorriso meio estranho mesmo quando ele estava sério – na verdade lembravam as de um bom golfinho.
  Eu adorava golfinhos. Desde sempre. Na minha infância, quando eu via as reportagens sobre a inteligente comunicação dessa espécie e desenhos em que apareciam golfinhos, principalmente aquele chamado Free Willy – abrasileirado para (hehehe) friuili - eu ficava extremamente empolgado.
  E sempre quis ter um golfinho amigo, apesar de que acho que estaria contente de ter um amigo golfinho apenas. Por morar em Minas Gerais, meu contato com o próprio mar já era extremamente reduzido, imagine só com golfinhos selvagens.
  Imagine então a minha felicidade, minha realização de um sonho de infância, ao ver uma pessoa que realmente parecia-se com um golfinho!
  Restava fazer com que ele virar meu amigo.
  Eu sempre tive aquela vontade de ser o simpático anfitrião que era o primeiro a falar com os novatos e apresentava-os para o resto da turma. Isso funcionou muito bem com todas as pessoas até agora. Mas nenhuma delas tinha esse visual cuja descrição é exatamente a que eu usei acima: “Se afaste, ou vou te matar agora mesmo!”. Nenhum deles tinha essas conversas relacionadas a seitas ou satanismo.
  Coincidentemente, neste dia eu estava usando um colar desses de praia que eu havia ganhado. Esse colar tinha três golfinhos entrelaçados, quase como o símbolo de “Retornável”. Decidi que não podia deixar esta oportunidade passar. Logo decidi também que eu tinha que abordar o roqueiro de um jeito diferente do “Oi, meu nome é Fulaninho, e o seu?”. Fiquei olhando para ele durante a aula, tentando bolar um jeito de como me apresentar. Ele ocasionalmente me olhava, mas depois de algum tempo, ele deve ter começado a achar algo realmente estranho no ar, pois quando meus olhos de ser humano e os olhos de golfinho dele se encontraram, ele estreitou-os para mim, como quem estivesse atirando para matar. Realmente não consegui entender. Tampouco eu entendi como olhos tão interessantes como os de um golfinho conseguiam se estreitar com aquela expressão. Freei a mim mesmo, lembrando-me que ele era um ser humano como eu, só lembrava, bem de longe, um golfinho.
  Lá por uma hora, mais uma vez ao pensar no modo como faria amizade com o carinha, eu olhei para o colar. E então me lembrei novamente que ele era um golfinho e que ele se sentiria lisonjeado se eu lhe dissesse isso.
  Respirei fundo, fiz o relaxamento muscular que aprendi na aula de canto e fui andando em direção a ele.
  Ele ainda não tinha me visto. Eu cutuquei o ombro e ele olhou para trás. “Oi!” eu disse. Ele só me olhou com uma expressiva cara de golfinho que devia significar que era para eu desembuchar. “Meu nome é Fulaninho, e o seu?” ele mais uma vez não me respondeu. Droga! Eu sabia que não ia dar certo esse tipo de abordagem amigável. Em um segundo fiz o que estava planejando. Exclamei: “Ei, sabia que você se parece muito com um golfinho?” ele parou de encarar e fez-me uma cara indagadora; que eu queria insinuar com aquilo? Eu resolvi concertar, pois provavelmente ele havia levado para o pessoal. “Mas não se preocupe!” disse eu “Eu adoro golfinhos! Olhe só para esse colar meu! São golfinhos...!”
  Ao ser ignorado a gente sente certo pesar. É chato ser ignorado, principalmente quando não se sabe a razão.
  Hoje eu tenho um amigo golfinho. E descobri o motivo pelo qual eu fui ignorado; ele me disse que naquele momento, pensou que eu estava cantando ele. Disse que não tinha nenhum interesse por pessoas do mesmo sexo, então saiu. E eu nem havia pensado nessa possibilidade durante todo esse tempo.
  Hoje eu tenho um amigo golfinho. E roqueiro. E ateu – apenas ateu, não satanista, como diziam os ridículos rumores. E alguém muito legal, uma pessoa que me aconselha, me ajuda e me pede conselhos. Um amigo. Roqueiro. Mas principalmente golfinho.

Um comentário:

  1. Nossa, eu simplesmente nunca havia percebido que DS se parece com um golfinho, mas olhando bem, se parece mesmo.... kkkkkk Um golfinho Ateu e gente boa de mais.... Muito bem escrito Gabriel, parabéns!!!

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